POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM NAS AMÉRICAS

por: Pra. Dra. MARIA CECILIA PUNTEL DE ALMEIDA

Professora Titular Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo.

EN: Sección de Interés No. 1. VI Coloquio Panamericano de Investigación en Enfermería. Ribeirao Preto (Brasil). Mayo 19 a 23 de 1998.

 


INTRODUÇÃO
 
Abrir um espaço para discutir as políticas e estratégias para o desenvolvimento da pós-graduação em enfermagem nas Américas, no momento em que estão presentes, neste VI Colóquio Pan-Americano de Investigação em Enfermagem, enfermeiros e liderança da enfermagem dos vários países das Américas, preocupados com a melhoria, do setor saúde e com o futuro da enfermagem, é muito oportuno e necessário e diria até imprescindível, frente às necessidades que neste momento, já estão colocadas no cenário nacional, regional e internacional.

Nesta década de 90 em que a face da globalização se acentua, principalmente nas instâncias econômicas, políticas e sociais e reconhecendo as consequências tanto positivas quanto o lado limitante das mesmas, principalmente para os países em desenvolvimento, ou daqueles que não fazem parte do conjunto hegemônico, faz-se necessária uma atitude vigilante e participativa. E é em função deste quadro de grandes mudanças no modo de produção da vida econômica das nações; do capital que é essencialmente financeiro e se desloca em questão de segundos de um extremo para outro do globo; da tecnologia eletrônica que modifica essencialmente o processo de trabalho industrial e todos os outros, acarretando grandes cifras de desemprego, que temos que estar muito mais presentes e conscientes da nossa missão de construtores e responsáveis também pela reordenação dos espaços sociais e dos valores éticos tendo o homem, sua família, grupo social e nação como fator primeiro e último das nossas preocupações.

Na conformação do quadro global da economia, a reforma dos Estados tem sido um dos pontos chaves e aí a estratégia do ajuste econômico é que sobressai. E quando de propõe o ajuste econômico a primeira área que tem sido afetada é a das políticas públicas e sociais e dos direitos, sofrendo as duras consequências, principalmente o setor educação e saúde. O Brasil vem vivenciando esta conjuntura neste anos 90 juntamente com muitos países Latino-Americanos.

A Reforma Sanitária Brasileira encontra-se nesta encruzilhada; por um lado a Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu princípios do Sistema Único de Saúde que falam em favor da universalidade da assistência em saúde, equidade, descentralização, hierarquização, participação e controle social e da máxima que estabelece saúde enquanto direito de todos e dever do estado. Por outro lado, organismos internacionais como FMI e BIRD, que controlam os empréstimos financeiros e o pagamento da dívida externa, apontam não para aqueles princípios universalizantes, mas sim para a prestação de assistência em saúde focalizada, racionalização dos gastos, eficaz relação custo/benefício e privatização de partes do setor.
Este quadro social, resumidamente descrito, ao invés de ser imobilizante consideramos que pode ser alavanca propulsora para a retomada da organização social de todos os setores da sociedade, maior intercâmbio e troca de experiências, maior comunicação entre os países, maior integração regional, mecanismos de ajuda e protecionismo.

E qual o papel esperado do conhecimento científico, da ciência, da tecnologia e das universidades para dar conta destas profundas mudanças da pós modernidade?
Como pode-se deduzir das mudanças que vem ocorrendo neste final de século XX, o conhecimento vem sendo apontado como um dos instrumentos para o novo reordenamento social. E isto em todos os níveis; os países periféricos estão privilegiando a urgência do ensino fundamental para todos os cidadãos, a implementação do ensino médio e técnico, o aumento do número de vagas nas universidades, a necessidade da educação continuada para os profissionais e trabalhadores e o desenvolvimento da pesquisa científica para dar conta dos novos e emergentes problemas das sociedades.
"Educação, ciência e tecnologia (C&T) constituem juntas, fatores determinantes do progresso das nações e os mais poderosos instrumentos de inovação dos processos produtivos e de modernização da vida dos povos" (GUIMARÃES, JORGE A. 1996, p.9)

As universidades têm uma missão intransferível a cumprir em relação à produção de conhecimento. E nestes últimos trinta anos, as universidades brasileiras, com todas as suas dificuldades e limitações vêm trilhando este caminho, principalmente após a reforma universitária de 1968 que estruturou o ensino de pós-graduação na modalidade "sensu lato" que corresponde às especializações e "sensu stricto" que corresponde aos mestrados e doutorados.
Portanto esta explanação objetiva dar continuidade à discussão que vem sendo feita na década de 90, em nível nacional, regional e internacional, para estabelecer algumas estratégias na política de desenvolvimento da pós-graduação em enfermagem nas Américas.
 
O ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL
 
Há um reconhecimento unânime nacional de que a pós-graduação tem sido o nível de ensino, no país, que melhor se desenvolveu.

"A pós-graduação é hoje um segmento consolidado na educação brasileira. Nas últimas décadas tem contribuído decisivamente para a formação de recursos humanos qualificados e para o desenvolvimento científico do país, garantindo, no seu âmbito de competência, uma posição de destaque no Brasil e no contexto Latino Americano. A Pós-Graduação desempenha um papel estratégico e constitui, por seu nível de excelência, uma das principais condições que possibilitam o aperfeiçoamento do sistema educacional como um todo (...). O trabalho desenvolvido neste nível vem contribuindo para capacitar o país a responder de maneira mais efetiva aos desafios contemporâneos, entre os quais a informatização da sociedade, a constituição de um saber interdisciplinar, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentado, a exclusão social, a reorganização do mundo do trabalho e à garantia do direito às diferenças culturais. (...) Entre os resultados mais imediatamente constatáveis da produção da Pós-Graduação está a sua atuação significativa nos processos socio-econômicos e no desenvolvimento tecnológico, como indica os resultados obtidos na cultura agrícola do cerrado, na exploração e prospecção de petróleo em águas profundas, na capacitação aeroespacial do país e na pesquisa básica e aplicada na área de saúde" (INFOCAPES - Boletim Informativo da CAPES, 1996)
 
Quantificando a pós-graduação brasileira, que é credenciada, acompanhada e avaliada por um órgão federal, Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES este conta com mais de 1.700 cursos em quase todas as áreas do conhecimento; quase 10.000 estudantes titulados anualmente (2000 doutores); avaliações periódicas e universais capazes de orientar as políticas de fomento e fortes indicações de pequenos continentes de excelência. (GUIMARÃES & CARUSO, 1996, p.4).

Devido a heterogeneidade do sistema de ensino superior no país a titulação formal do corpo docente como um todo, no conjunto das universidades brasileiras não foi alcançado ainda. Enquanto, por exemplo, a USP, a UNICAMP e a UFRJ em 1995 tinham, respectivamente, 81,2%, 77% e 45,4% do corpo docente com o título de doutor, a Universidade Federal da Paraíba tinha 11,4%. Grande parte das Universidades fica próxima da porcentagem de 10% de doutores do corpo docente. (GUIMARÃES & CARUSO, 1996, p.4).

Esta situação heterogênea de titulação do corpo docente universitário ocorre também na área de enfermagem.

Mesmo havendo necessidade de acelerar a titulação dos docentes de algumas universidades, a área de enfermagem conta com um número razoável de Universidades públicas cujos programas de pós-graduação estão consolidados, a pesquisa se desenvolve em grupos de pesquisadores e se assenta em linhas de pesquisa.

Estas IES estão em condições de prestar ajuda aos países Latino Americanos para a formação de doutores em enfermagem e ao mesmo tempo intercambiar experiências.
 
SITUAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM NA AMÉRICA LATINA

A pós-graduação "stricto sensu" em enfermagem, no Brasil, iniciou-se nos primeiros anos da década de 70.

Contava-se em 1991 com 14 programas de mestrado e 07 de doutorado e estes se concentravam na região sudeste do país. Cabe destacar que o último programa de doutorado foi criado na região NE, na Universidade Federal do Ceará, no ano de 1997.

No ano de 1995 a OPS/OMS e a Liga de Nacional de Enfermagem dos Estados Unidos realizaram em Bogotá, Colômbia, uma Reunião Panamericana de Estudos de Pós-Graduação em Enfermagem (JEFFRIES, Nancy, 1996) com a finalidade de incrementar a pós-graduação na América Latina e Caribe através de um plano global de desenvolvimento da formação de pós-graduação em enfermagem na região para o decênio 1996-2006.

Segundo MANFREDI, Maricel (1996, p.viii) na introdução do relatório desta Reunião, ela considera que

"a formação de líderes na esfera da saúde, em especial na América Latina, é tema crucial para que se produzam as mudanças necessárias que demandam das novas formas de prestação de serviços, no contexto das reformas setoriais em matéria de saúde que apontam a equidade e a qualidade de atenção à população. Uma das estratégias importantes para alcançar estes objetivos é a formação de pós-graduação em enfermagem: os mestrados e doutorados que possibilitem a geração de conhecimento nesta área e sua utilização efetiva e criativa para alcançar as transformações necessárias em matéria de saúde".
 
WRIGHT & ALARCÓN (1996) nesta mesma Reunião identificaram que havia dezesseis programas de mestrado em sete países latinos com exceção do Brasil. Estes países são: Colômbia, Chile, Equador, México, Panamá, Peru e Venezuela. Havia ainda onze países da América Latina que não ofereciam nenhum tipo de programa de pós-graduação para a formação de enfermeiros. Apontaram ainda que

"(...) dos dezesseis programas de mestrado, há seis projetos desenvolvidos com cooperação nacional e internacional. Os projetos de cooperação internacional realizam-se mais com os países da América do Norte que com outros países latino-americanos. A cooperação com o Brasil é limitada, apesar deste ter uma boa experiência de pós-graduação em enfermagem e sua realidade ser mais próxima aos dos outros países da região
(WRIGH & ALARCÓN, 1996 p.42).

Comparando estes países com o Brasil,
Quadro 1, verifica-se que somente este país conta com programas no nível de doutorado.
Quadro 1 -
Número de programas de pós-graduação na região das Américas (alguns países) - 1996.
 
 PAÍSES  PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO  TOTAL
   MESTRADO  DOUTORADO  
   14 6 20
   6   6
   5   5
   2   2
   1   1
   1   1
   1 1
   3 1* 4

Fonte: Dados agrupados segundo informações da Reunión Panamericana de Estudios de Pósgrado en Enfermeria, Bogotá, Colômbia, octubro 1995. Liga Nacional de Enfermería. OPS, OMS, 1996.
* Informação obtida durante o VI Colóquio Panamericano de Investigação em Enfermagem, realizado em Ribeirão Preto-SP, Brasil em maio de 1998.
 
A Reunião Panamericana de Estudos de Pós-Graduação em Enfermagem observou que não existe nas Américas políticas e programas globais em nível regional e nacional sobre o ensino de pós-graduação em enfermagem que estabeleçam uma projeção a longo prazo.

Algumas Universidades brasileiras têm recebido enfermeiros Latino-Americanos para cursar a pós-graduação, mas esta demanda tem sido sob a forma de iniciativa pessoal e não institucional. Só para exemplificar, nestes últimos 05 anos a Escola de Enfermagem da USP recebeu 12 pós-graduandos, 09 para o mestrado e 03 para o doutorado, o Curso de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina 10, sendo 03 para o mestrado e 07 para o doutorado.

A Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP recebeu neste ano de 1998, uma demanda de 05 enfermeiros, uma para o doutorado e 04 para o mestrado.
Temos uma experiência de uma demanda institucional, convênio feito entre a Universidade de Concepción no Chile e a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que está finalizando a formação de 04 doutores.

Os alunos que vêm pela demanda espontânea têm sido mantidos financeiramente através de: programa de Cooperação Estrangeira - PEC - PG que é financiado pela CAPES, após ouvir as instituições brasileiras apontadas pelos requerentes; bolsa de demanda social do governo brasileiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq; ajuda financeira da Universidade e país de origem, bolsa da Fundação Kellogg e outras.

Consideramos que é importante a demanda espontânea e individual de estrangeiros, mas para que de fato haja um compromisso da instituição de origem na formação de pesquisadores e constituição de uma infra-estrutura para o desenvolvimento da pesquisa, seria necessário um planejamento institucional principalmente daquelas que já tem o nível de mestrado e portanto infra estrutura que garanta, com a formação dos doutores, implementar em curto período o nível de doutorado em seus países.

ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PÓS-GRADUAÇÃO NAS AMÉRICAS
 
Observa-se através dos contatos entre lideranças de enfermagem de vários países, nas reuniões e encontros formais que vêm ocorrendo patrocinados pela OMS/OPS, nas solicitações que as Universidades brasileiras vêm recebendo, que há uma vontade política explicita de ambos os lados, ou seja da enfermagem brasileira em proporcionar, principalmente a formação de doutores e da enfermagem dos outros países latinos em desenvolver sua pós-graduação, implementando o mestrado e alcançando o nível de doutorado.

Esta explicitação de uma política regional de pós-graduação e até mais ampla envolvendo os países de vários continentes, como por exemplo, a International Net Work for Doctoral Education in Nursing que foi criada no ano passado, 1997, em Vancouver, Canadá, durante o Encontro do Conselho Internacional de Enfermagem, é resultado da necessidade de uma comunicação mais efetiva da enfermagem entre diversos países, e intercâmbio da produção científica, visando a titulação de docentes e profissionais dos serviços de saúde e melhoria da qualidade da assistência de enfermagem.

No mundo globalizado não há como ficar isolado.

Apontamos, para finalizar, algumas estratégias para uma política de pós-graduação internacional, tanto para incrementar a própria pós-graduação de enfermagem brasileira, como para possibilitar uma cooperação do Brasil aos países Latino-Americanos:

·IMPLEMENTAR DEMANDAS DE BOLSAS SANDUÍCHE DO BRASIL PARA OS ESTADOS UNIDOS, CANADÁ E ALGUNS PAÍSES EUROPEUS.
IMPLEMENTAR PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS BRASILEIRAS EM PERIÓDICOS INTERNACIONAIS INDEXADOS.
IMPLEMENTAR PROGRAMAS DE PÓS-DOUTORADO NO BRASIL E NO EXTERIOR.
IDENTIFICAR UNIVERSIDADES BRASILEIRAS COM PROGRAMAS DE DOUTORADO EM ENFERMAGEM QUE TÊM CONDIÇÕES E DESEJAM COLABORAR NA FORMAÇÃO DE ESTRANGEIROS.
QUE CADA PAÍS LATINO-AMERICANO, OU GRUPO DE PAÍSES FAÇAM UM PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DEFININDO METAS E ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL DA PÓS-GRADUAÇÃO.
IDENTIFICAR INSTITUIÇÕES SOCIAIS QUE POSSAM FINANCIAR BOLSAS DE ESTUDO PARA OS PAÍSES LATINO-AMERICANOS.
QUE AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE E EDUCAÇÃO SEJAM SOLICITADAS PARA COOPERAREM NAS ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PÓS-GRADUAÇÃO.
ESTABELECER INTERCÂMBIO INTERNACIONAL ENTRE PESQUISADORES E GRUPOS DE PESQUISA.

O resultado mais importante da pós-graduação se refere a formação de pesquisadores qualificados e consequentemente a melhoria da pesquisa em enfermagem. A produção científica consistente reverte na melhoria do ensino de graduação, e da profissão, dando-lhe identidade e consolidando sua inserção na comunidade científica.

BIBLIOGRAFIA
 
GUIMARÃES, Jorge A. Pós-Graduação e Pesquisa. Discussão da Pós-Graduação Brasileira. CAPES, v.1, p.9-16, set. 1996.
GUIMARÃES, Reinaldo & CAPUSO, Nádia. Capacitação docente: o lado escuro da pós-graduação. Boletim Informativo da CAPES. vol.4, n.3, julho/set. 1996, p.7-18.
INFOCAPES - Boletim Informativo da CAPES. v.4, n.4, Brasília CAPES, Apresentação p.5, 1996.
JEFFRIES, Nancy (org.) CONVERGING EDUCATIONAL PERSPECTIVES. National League for Nursing, 1996, 30p.
MANFREDI, Maricel. Introdução. In: CONVERGING EDUCATIONAL PERSPECTIVES. National League for Nursing, 1996, p.viii.
WRIGHT, Maria da Glória Miotto & ALARCÓN, Nelly Garzón. Organización Panamericana de la Salud: Estudio de los programas de especialización y Maestria en enfermería em America Latina. In: Jeffries, Nancy (org.). CONVERGING EDUCATIONAL PERSPECTIVES. National League for Nursing, 1996, p.23-52.

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ULTIMA ACTUALIZACIÓN
AGOSTO DE 1998
 

   Página Elaboradada por: DANIEL GONZALO ESLAVA A.